Blecaute alcoólico em jovens de 15 a 19 anos

CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool

O padrão de consumo de álcool varia bastante ao longo da vida, observando-se aumento de intensidade e problemas relacionados geralmente entre 15 e 25 anos de idade. Nos Estados Unidos, o primeiro consumo de álcool ocorre em média aos 15 anos e estima-se que, aos 18 anos, 70% já o tenham consumido e que 25% tenham apresentado padrão de beber pesado episódico*. No Reino Unido, um dos países europeus que mais chama atenção no que diz respeito a medidas de uso de álcool, 70% dos estudantes com 14 anos de idade relatam terem consumido álcool. Já no Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde 2013 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou que 34,5% dos usuários de álcool tiveram o primeiro contato com o álcool entre 15 e 17 anos e 12,5%, antes dos 15 anos.

Um evento adverso comum ao uso abusivo é o lapso de memória ou blecaute alcoólico (BA), definido como a incapacidade de lembrar-se de fragmentos ou períodos inteiros de eventos ocorridos enquanto se está acordado e bebendo. Estima-se que ao menos 50% dos bebedores adultos já tiveram BA, assim como 80% dos indivíduos com transtornos por uso de álcool, sendo um critério avaliado de forma crescente em pesquisas sobre o alcoolismo. Sabe-se também que maior ingestão de álcool (quantidade e frequência) está relacionada a maiores chances de BA.

O componente genético para a herdabilidade do BA (estimada em 50%) parece atuar via diversas características, como pode ser o caso do fenótipo de baixa resposta ao álcool – quando o indivíduo necessita de maiores doses de álcool para atingir determinado grau de intoxicação. Outras características relacionadas ao BA são: sexo masculino, comportamento psicológico externalizante (como impulsividade e busca de sensações), além de convívio com amigos que bebem nocivamente ou usam drogas.

Poucos estudos longitudinais avaliaram o BA até o momento. Um estudo anterior que acompanhou 230 homens por 10 anos identificou que quem mais apresentou episódios de BA foram aqueles que beberam de modo mais frequente e pesado já no início da pesquisa, sendo que esses indivíduos estiveram mais propensos a desenvolver transtornos por uso de álcool. Outro estudo avaliou dois momentos distintos em um período de 4 anos com bebedores entre 19 e 26 anos, e indicou associações de BA com: início do consumo mais precoce, ingestão de maiores quantidades de álcool, ter pais bebedores e hábito de fumar. Quando o indivíduo apresentou BA no início do acompanhamento, sua chance de reincidir em novos episódios no futuro foi de 68%. Por fim, um terceiro estudo demonstrou que indivíduos com uso pesado de álcool e que apresentaram 6 ou mais episódios de BA apresentaram risco dobrado de necessitar de assistência médica em pronto atendimento devido ao consumo de álcool.

O presente estudo acompanhou indivíduos nascidos nas proximidades de Bristol, na Inglaterra, nos anos de 1991 e 1992. Foram incluídos 1402 adolescentes que aos 15 anos já haviam consumido pelo menos uma dose de bebida alcoólica e que tinham sido entrevistados ao menos 2 vezes entre os 15 e 19 anos com relação ao consumo de álcool (quantidade, frequência e efeitos) e frequência de episódios de BA.

Observou-se que aos 15 anos quase 30% dos indivíduos já haviam vivenciado ao menos um episódio de BA, 58% aos 16 anos, 70% aos 18 anos, e alcançando 75% dos indivíduos com 19 anos. Além disso, verificou-se que a quantidade de doses de álcool consumida por ocasião aumentou quase 70% entre os 15 e 19 anos. Assim, nota-se que a frequência de BA tende a aumentar com o avanço da idade e também houve associação de BA com altas quantidades de álcool ingeridas, em linha com achados anteriores.

As trajetórias de ocorrência de BA ao longo do tempo foram heterogêneas e foi possível classificar os participantes em quatro grupos: (1) sem episódio de BA (5%); (2) rápido aumento de BA ao longo dos anos (30%); (3) aumento gradual de BA ao longo dos anos (45%); e (4) BA persistente (21%). Quando comparados, o primeiro grupo (sem BA) era composto por indivíduos que consumiam menos álcool (quantidade e frequência) e tinham perfil de alta resposta ao álcool (sentem mais os efeitos do álcool por dose consumida) no início das avaliações em relação às demais. Já os indivíduos do grupo com BA persistente apresentaram maiores frequências e quantidades de uso de álcool, baixa resposta ao álcool e uso de outras drogas. A Figura 1 apresenta a análise da trajetória longitudinal da proporção de indivíduos que reportaram episódios de BA em cada um dos grupos.

A frequência de BA encontrada no presente estudo (75% aos 19 anos) foi maior que os 50% registrados em estudos americanos para população adulta geral (sem diferenciação por idade) e também em universitários. Uma hipótese que poderia ser feita está ligada ao início precoce presente na amostra (15 anos), considerado preditor de mais problemas relacionados ao uso de álcool no futuro, o que enfatiza a necessidade de medidas educativas e instrutivas específicas para esse público.

Os autores destacam que médicos e pais devem estar atentos ao fato de que para a maioria dos jovens os eventos de BA não são isolados e sua ocorrência é preditiva da trajetória futura de uso nocivo de álcool. É preciso informar que o episódio de BA está associado a altos níveis de concentração de álcool no sangue que podem indicar ou causar problemas de consumo de álcool, além de aumentar as chances de exposição a sexo desprotegido, lesões, acidentes e diversas outras complicações de saúde.

Figura 1: Análise longitudinal dos 4 grupos para ocorrência de blecaute alcoólico (modificado de Schuckit et al. 2014).

*O consumo nocivo está relacionado ao padrão de consumo na forma de beber pesado episódico (BPE), que é(definido pelo National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) como a ingestão de 5 ou mais doses de álcool para homens e 4 ou mais doses para mulheres em um período de até 2h.

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