Breve história da pesquisa genética nos transtornos devido ao uso de álcool

CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool

O presente estudo pretendeu esclarecer os aspectos e avanços relacionados à influência genética no uso de álcool através de uma revisão das últimas 7 décadas, tendo sido buscados artigos a partir de 1940.

Embora a ciência genética já impactasse práticas agrícolas e pecuárias, as bases modernas dos estudos genéticos foram estabelecidas há apenas 150 anos pelo trabalho de Gregor Mendel com plantas. Suas descobertas foram rapidamente expandidas para uma ampla variedade de organismos, possibilitando o reconhecimento da existência do DNA e cromossomos. Com o surgimento de métodos estatísticos mais poderosos e o aumento do interesse da questão genética ao longo do tempo o entendimento dos genes e dos cromossomos e o isolamento do DNA ficaram mais sofisticado.

Apenas em 1953 foi descoberta a estrutura do DNA como uma fita de dupla hélice por Whatson e Crick e apenas em 1972 as abordagens de sequenciamento gênico e entendimento da estrutura e funcionamento dos genes foram estabelecidas por Min Jou. Essa sequencia de eventos levaram ao sucesso do sequenciamento total do genoma humano em 2003.

Ao longo dos 75 anos da existência do Journal of Studies on Alcohol and Drugs (JSAD), foram publicados cerca de 350 artigos sobre questões genéticas relacionadas com o álcool e outras drogas e transtornos. Essa revisão utilizou como base esses artigos e também buscas pelo principal banco de artigos científicos (PUBMED) utilizando os termos referentes à genética e ao álcool.

Os resultados indicam que os primeiros trabalhos relacionando diretamente genética com transtornos de uso de álcool (TUA) foram publicados em 1947 e em 1953, avaliando a influência genética em TUA em humanos e modelos animais. A partir de 1968 esse tipo de trabalho começou a ser publicado com maior intensidade com discussões sobre histórico familiar de TUA entre dependentes do álcool e seus parentes e especialmente um artigo de 1973 feito com gêmeos e filhos adotados documentando definitivamente a influência genética no alcoolismo. Mais recentemente também tem sido avaliado a relação da questão racial, da sensibilidade ao álcool e da propensão a TUA com genes específicos, além da relação de transtornos psiquiátricos e TUA, e a investigação mais intensa e profunda sobre diversos genes possivelmente implicados.

Foi constatado que filhos de indivíduos com TUA tem 3 a 4 vezes maior risco de desenvolvê-lo, mesmo quando a criança é separada de seus pais biológicos nos primeiros anos de vida, o que diminui o risco de influência do ambiente. Os resultados foram mais expressivos para o sexo masculino.

Estudos com gêmeos também foram muito instrutivos. Isso porque, apesar de gêmeos univitelinos possuíram 100% dos genes iguais, os gêmeos bivitelinos possuem apenas 50% da carga genética igual como qualquer irmão, mas com a vantagem que estão expostos ao mesmo ambiente, criação e idade de início das diversas experiências ambientais o que favorece a avaliação da influência genética. Com esse tipo de estudo foi estabelecido que a questão genética tem aproximadamente 60% de influência para a ocorrência de TUA.

A observação de quatro características (fenótipos) foi importante para a identificação de genes que poderiam estar envolvidos com o TUA. 1) Rubor facial após ingestão de bebidas alcóolicas, fenômeno que é observado há séculos nas populações asiáticas 2) Identificação da relação de TUA com comportamentos impulsivos (pessoas impulsivas tendem a beber mais), 3) Pessoas com doenças psiquiátricas possuíram maior risco de desenvolver TUA e 4) Indivíduos com baixa resposta ao álcool que desenvolvem TUA. A baixa resposta ao álcool se caracteriza quando o indivíduo necessita de maiores doses de álcool para atingir o mesmo grau de intoxicação. Desta forma, esses indivíduos tentem a beber mais e estão mais predispostos a desenvolver o TUA.

Hoje se sabe que o fenótipo 1, relacionado ao rubor facial se dá pela alteração ou falta do gene para uma enzima que metaboliza álcool chamada aldeído desidrogenase e mutações em alguma das cópias desse gene está presente em 40% dos asiáticos. Se o indivíduo tiver uma cópia com a mutação irá ingerir menores quantidades de álcool e se a mutação estiver presente nas suas duas cópias, a metabolização do álcool fica bastante comprometida e isso causará náuseas e vômitos, além do rubor facial. Logo é pouco provável que esses indivíduos desenvolvam TUA. Sabe-se também que existem diferentes tipos de mutação nesse gene que podem causar maiores ou menores dificuldades para metabolização do álcool, mas esses indivíduos sempre tendem a consumir menos álcool e por isso confere papel protetor ao TUA.

Já o segundo fenótipo relacionado a impulsividade foi associado aos genes para receptores cerebrais que estimulam a atividade de neurônios, ou envolvido nos mecanismos de prazer ou ainda em genes do hormônio antidiurético que faz com que os níveis alcoólicos do sangue se mantenham elevados por mais tempo.

O fenótipo de baixa resposta ao álcool pode ser observado medindo-se a concentração sanguínea de álcool após a ingestão (sendo que esses indivíduos apresentam menores concentrações sanguíneas de álcool após a ingestão de uma mesma quantidade) ou por questionários retrospectivos. Essa identificação é capaz de predizer que essas pessoas poderão desenvolver posteriormente TUA mais facilmente, sendo conferido a carga genética de 40 a 60% como causa dessa menor sensibilidade ao álcool (Modelo de Baixa Resposta ao Álcool). Para esses casos, através da baixa resposta individual ao álcool, o componente ambiental também exerce forte influência, uma vez que as percepções sociais e entre seus pares tenderão a ser permissivas ao uso de álcool e em padrões de beber mais intensos.

Por fim, alguns dos genes associados a doenças psiquiátricas também levam o indivíduo a desenvolver TUA, em especial os relacionados a esquizofrenia e ao transtorno bipolar, entre outras. Essas alterações genéticas se dão para genes de receptores que produzem, metabolizam ou transportam os neurotransmissores, que são substâncias produzidas pelo cérebro para seu funcionamento normal.

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